Miklós Radnóti nasceu em Budapeste, a 5 de maio de 1909, no seio de uma família judia. Estreou com o livro Pogány köszöntő (Cumprimento pagão), em 1930. A este seguiram-se Újmódi pásztorok éneke (Canto pastoril moderno, 1931), Lábadozó szél (Vento convalescente, 1933), Újhold (Lua nova, 1935), Járkálj csak, halálraítélt! (Avante, condenados!, 1936), Meredek út (Estrada íngreme, 1938) e Naptár (Calendário, 1942). Traduziu para o húngaro poemas de Arthur Rimbaud, Stéphane Mallarmé, Paul Éluard, Guillaume Apollinaire e Blaise Cendrars. Críticos reconhecem em seu trabalho um equilíbrio entre a influência das vanguardas e uma dicção clássica. 

Com a ocupação nazista da Hungria, passa a ter dificuldades para publicar e trabalhar, e, em 1944, é enviado ao campo de concentração de Bor. Ali segue escrevendo, podendo enviar alguns dos textos a sua esposa, mais tarde publicados no volume Bori notesz (Notas de Bor). Com o avanço das tropas de Tito, milhares de prisioneiros judeus são forçados às chamadas Marchas da Morte, através da Hungria até a fronteira com a Áustria. Segundo testemunhas, no início de novembro de 1944, o poeta foi espancado por um soldado bêbado. Debilitado pela marcha, gravemente ferido e incapaz de continuar, foi executado e enterrado numa vala comum. O poeta tinha 35 anos. Em 1946, quando a vala foi encontrada e os corpos exumados, seus últimos poemas foram achados num pequeno caderno, no bolso de seu casaco. O último deles era dedicado a seu amigo, o violinista Miklós Lorsi, executado alguns dias antes durante a mesma marcha. Estes últimos textos seriam publicados no volume Tajtékos ég (Céu espumante), em 1946. Abaixo, uma tradução de Nelson Ascher, do poema que dá título a sua última obra. Que Miklos Radnóti pudesse criar texto de tamanha beleza e lucidez em meio a tais condições é testemunho de algo a que não saberia dar nome. 


 --- Ricardo Domeneck

§

POEMA DE MIKLÓS RADNÓTI

Céu espumante

No céu que espuma, a lua oscila.
Estar vivo me causa espécie.
A morte assídua espreita a Idade:
quem ela encontre, empalidece.
O ano grita e depois desmaia.
(Gritara olhando ao seu redor.)
Que outono ronda-me de novo?
Que inverno embotado de dor?
Sangrava o bosque; mesmo as horas
sangravam no vaivém dos dias.
Ventos riscavam, sobre a neve,
cifras enormes e sombrias.
Já vi de tudo; o ar me esmaga
com seu peso; um silêncio cresce
ruidoso, cálido e me abraça
como fez antes que eu nascesse.
Detenho-me junto de um tronco
que agita iroso as frondes plenas
e estende um galho. Há de esganar-me?
Não é fraqueza ou medo – apenas
cansaço. Calo. E o galho apalpa
os meus cabelos, mudo, aflito.
Cabe esquecer – mas não há nada
de que já tenha me esquecido.
Espuma afoga a lua; o miasma
estria os céus, verde e agressivo.
Sem pressa, enrolo com cuidado
o meu cigarro. Eu estou vivo.

(tradução de Nelson Ascher)

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Tajtékos ég
Miklós Radnóti

Tajtékos égen ring a hold,
csodálkozom, hogy élek.
Szorgos halál kutatja ezt a kort
s akikre rálel, mind olyan fehérek.
Körülnéz néha s felsikolt az év,
körülnéz, aztán elalél.
Micsoda ősz lapul mögöttem ujra
s micsoda fájdalomtól tompa tél!
Vérzett az erdő és a forgó
időben vérzett minden óra.
Nagy és sötétlő számokat
írkált a szél a hóra.
Megértem azt is, ezt is,
súlyosnak érzem a levegőt,
neszekkel teljes, langyos csönd ölel,
mint születésem előtt.
Megállok itt a fa tövében,
lombját zúgatja mérgesen.
Lenyúl egy ág. Nyakonragad?
nem vagyok gyáva, gyönge sem,
csak fáradt. Hallgatok. S az ág is
némán motoz hajamban és ijedten.
Feledni kellene, de én
soha még semmit sem feledtem.
A holdra tajték zúdúl, az égen
sötétzöld sávot von a méreg.
Cigarettát sodrok magamnak,
lassan, gondosan. Élek.

§

Nota: esta tradução de Nelson Ascher foi originalmente publicada na revista Dicta & Contradicta.

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